
Caio Bruno
Músicas brasileiras descontextualizadas que ‘previram’ o Coronavírus

Cá estamos em quarentena voluntária e isolamento social no conforto dos apartamentos e casas. Privilegiados pois (em outro texto disserto sobre isso e esse corte de classes, que me incomoda tanto, prometo). Todavia, para entreter mentes vazias e tentar mantê-las sãs esse texto é despretensioso e humorístico. Selecionei algumas músicas brasileiras entre os anos 1960 e 1980 que ‘previram’ o Coronavírus e suas consequências. Explico: obviamente não há nenhuma música profética da pandemia, o que fiz foi pinçar algumas canções na memória e descontextualizá-las completamente, afinal, o jeito é tocar o barco dia após dia.
O religioso apocalíptico
Sempre tem aquela pessoa que tudo de bom que acontece no planeta é obra de Deus, tudo de mal culpa do Satanás e que haverá o dia do Juízo Final. Dito isso, estamos no meio do arremate, segundo essa turma. Em 1986, Roberto Carlos lançou uma de suas músicas mais cafonas e carolas chamada “Apocalipse” em que se prenuncia o final dos tempos. Vale destacar a frase que muitos repetem por aí.
“Perto do fim do mundo
Como negar o fato?
Como pedir socorro?
Como saber exato o pouco tempo que resta?”
O realista pessimista
Eis o cidadão que Nelson Rodrigues classificou de vira-lata. Nada que temos aqui no Brasil funciona e nada presta. Alguns desses tipos eventual e paradoxalmente nos dias de hoje se dizem “patriotas” e eleitores de tipos como Jair Bolsonaro. Ele está em pânico, como o religioso, mas não assume. Uma das mais lindas canções da MPB, de Torquato Neto e Gilberto Gil, “Marginália 2” (1968) retrata esse tipo no trecho:
“A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo”
O otimista
Há aquele (e eu me incluo nessa) que é racional, sabe que a coisa é séria, segue as orientações das autoridades sanitárias, não está em estado de negação, mas tem pensamento otimista. Sabe que é uma fase e não perde a esperança de que as baixas sejam as menores possíveis. Nada melhor do que o otimismo poliana de Novo Tempo (1980) de Ivan Lins para o tipo.
“No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer”
A quarentena
Um choque. Uma mudança de paradigmas. Todos em casa. Saídas mínimas e necessárias. Tão chocante quanto à quarentena foi perceber que Chico Buarque e Camisa de Vênus podem coabitar em paz e serem citados num mesmo tópico musical para desespero dos preconceituosos aqui e ali. Quer ver só?
Em 1986, com a canção “Simca Chambord”, o conjunto de rock baiano relatou o silêncio das ruas.
“Mas eis que de repente, foi dado um alerta
Ninguém saía de casa e as ruas
ficaram desertas
Eu me senti tão só”
E “A Banda”, vencedora do III Festival da Música Brasileira em 1966, complementou o sentido do trecho descontextualizado de “Simca Chambord” em uma volta ao tempo de 20 anos. Olha aí o que Chico Buarque escreveu.
“E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor”
Desespero
Como nem todo mundo lida bem com a própria companhia, com a própria casa e com o isolamento em si, às vezes algumas pessoas são acometidas de desespero. Querem dar a cara a tapa. Vanusa em “Manhãs de Setembro” (1973) anunciava a aflição.
“Eu quero sair
Eu quero falar
Eu quero ensinar o vizinho a cantar”
Final
A humanidade passou por mais uma. Sobrevivemos. Quando isso acontecer (no dia em que escrevo isso ainda estamos no meio do contágio da “gripezinha”, como disse um irresponsável), provavelmente muitos mundo afora vão sair com um sentimento de uma nova ordem mundial, como disse Lulu Santos em “Tempos Modernos” (1982).
“ Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera
Com habilidade pra dizer mais sim do que não”
Olha, eu não quero jogar água no chopp de vocês não, mas infelizmente acho que será o que o Leo Jaime disse em “Nada Mudou” (1986)
“Ela me dá um beijo na testa
E quer que eu tenha um dia legal
Mas se eu quiser eu posso ver nas ruas
Senhores e escravos, nada é real
Todo mundo me diz bom dia
Todo dia é sempre igual
Crianças pedem na janela do carro
Até nas noites de Natal
Ô, ô, ô, ô, nada mudou”
OBS: Por motivo de clichê, não está na lista “O Dia em Que a Terra Parou” (1977) de Raul Seixas.